Todas In-Pauta

Estudo no Estado de São Paulo aponta que, em 2020, uma a cada quatro mulheres com deficiência que sofreu alguma agressão tem idade acima de 65 anos. Relatório traz também dados controversos — como o caso de ocorrência por “morte natural”

Bruna Furlan
4 min readNov 17, 2020

Por Bruna Furlan, Carolina Guimarães, Giovanna Conti e Izabella Ricciardi.

Em dezembro de 2019, a Secretaria de Estado do São Paulo dos Direitos da Pessoa com Deficiência lançou a primeira base de dados sobre pessoas com deficiência da história. Os registros, organizados por áreas, — educação, saúde, emprego, renda e desenvolvimento social — jogam luz sobre um fenômeno que deve ser monitorado e analisado por uma lupa: a agressão a mulheres com deficiência. De acordo com os relatórios, atualizados mensalmente, uma a cada quatro mulheres que sofreram algum tipo de agressão em 2019 têm idade superior a de 65 anos — percentual semelhante ao registrado em 2020, entre os meses de janeiro a abril. Os resultados podem ser vistos com mais detalhes nos gráficos a seguir.

De acordo com Célia Leão, secretária da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, os motivos relativos ao alto número de casos estão na própria residência.

Há um alto índice de violência doméstica e seria necessária maior investigação para saber quem são os responsáveis por zelar e cuidar das mulheres acima de 65 anos com algum tipo de deficiência. Há uma falta de paciência do ser humano e de entidades responsáveis por zelar pelas vítimas.

Célia, no entanto, admite que os dados de agressão às mulheres — e, principalmente, com idade superior a 65 anos -, podem ser ainda maiores. A justificativa é evidente: o medo que o grupo tem de prestar denúncia — ou até uma dificuldade de saber como se presta um boletim. De acordo com uma pesquisa feita pelo jornal Folha de São Paulo, 52% das mulheres, com deficiência ou não, não denunciam casos de agressão. Em São Paulo, estima-se que há 1,7 milhão de mulheres com algum tipo de deficiência — o que corresponde a 57% do total de pessoas deficientes.

O medo de ir a uma delegacia para o registro de boletim de ocorrência é acompanhado por outro grave problema: a dependência da pessoa agredida de ir ao local. Em alguns casos, a mulher precisa obrigatoriamente do agressor para se locomover.

A primeira coisa necessária é informação, pois é a base de tudo, e as mulheres com deficiência também tem que saber que se não forem atendidas e/ou respeitadas, elas têm onde se socorrer, como a delegacia da mulher ou de apoio onde ela pode fazer a denúncia.

Mesmo assim, o atendimento da Polícia Militar às mulheres violentadas aumentou 44,9% em março e abril. Outro dado que salta aos olhos: o número de feminicídios subiu de 13 casos — antes do início da quarentena — para 19 — durante os meses da pandemia, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública.

A evolução no número de casos provocou novos capítulos. Com urgência, a Secretaria iniciou um programa com o objetivo de fortalecer as mulheres com deficiência na região chamado Todas In-Rede. O projeto, que seria lançado em março de 2020 — em comemoração ao mês internacional da mulher — foi ao ar no dia 15 de junho.

INSERIR VIDEO DO TODAS IN-REDE

De acordo com as fontes ouvidas pela reportagem, o atraso se dá em função da pandemia do novo coronavírus e, acompanhada à doença, o acréscimo de violência doméstica durante a quarentena imposta para reduzir a curva da epidemia.

O programa Todas In-Rede tem um nobre objetivo: alcançar o público de maneira acessível e em novo formato em tempos de pandemia, através do lançamento de um site informativo e interativo. As ações contam, por exemplo, com um curso virtual sobre o atendimento à mulher com deficiência vítima de violência voltado à formação dos profissionais das 133 Delegacias de Defesa da Mulher de SP e demais profissionais da Rede de Proteção.

Também vão estar disponíveis conteúdos relativos à profissionalização (capacitação, emprego e renda), educação, violência, direito à saúde, além de campanhas educativas sobre a importância da informação e, claro, da notificação da violência.

Precisamos fornecer melhores condições de vida às mulheres com deficiência do Estado de SP por meio do acesso à educação, trabalho e renda, enfrentamento às questões de violência, exercício dos direitos afetivos e sexuais, protagonismo e liderança, diz Aracélia Costa, secretária executiva da SEDPcD.

Ademais, serão planejados encontros regionais para que aconteça a articulação da rede de proteção, mapeamento e divulgação do fluxo de boletins de ocorrência registrados e o fornecimento de informações às mulheres.

Dados controversos do relatório: “É, no mínimo, esquisito”

Um fato no relatório, no entanto, merece atenção: a classificação de morte natural como tipo de violência. É o quarto maior registro do levantamento da pasta. Questionada pela reportagem, Célia se mostrou confusa e surpresa diante da informação. Diz Célia:

Os dados têm origem na Secretaria de Segurança Pública. Precisamos entrar em contato com a pasta para entender essa classificação. É, no mínimo, esquisito.

De acordo com a Secretária, o dado seria repassado para reavaliação, uma vez que, segundo a própria Célia, “não tem autorização para fazer qualquer alteração das informações que chegam a ela por razões administrativas”. Desde então, a reportagem procura a secretária diariamente para entender o dado mas, até o fechamento desta reportagem, não houve resposta.

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