Moda Sustentável ou Greenwashing?

A recente popularidade da sustentabilidade dentro da moda e como o mercado de luxo tenta se transformar para seguir a nova demanda entre o consumo consciente

Bruna Furlan
9 min readMay 14, 2020

Por Bruna Furlan e Izabella Ricciardi

Comunicamos quem somos através das roupas que vestimos, uma realidade que sempre se mostrou presente na história da sociedade humana. É a maneira como nos apresentamos para a sociedade, fundamentalmente é uma expressão daquilo que desejamos que saibam sobre nós e daquilo que desejamos ser.

Durante o século XIX, a alta-costura era o ápice do sistema da moda, podemos definir alta-costura como exclusividade e execução de alta qualidade, sustentada por um pequeno número de clientes internacionais, as famílias reais europeias que puderam se restabelecer depois do congresso de Viena em 1815 e as dinastias bancárias dos Estados Unidos. O espírito da época era o materialismo, o luxo e exibição de riqueza tornaram a alta-costura o sistema vigente na indústria da moda por anos.

Com o surgimento do capitalismo industrial e uma nova e inovadora rapidez de se produzir roupas, na década de 1960, as linhas se tornaram tênues entre os sistemas da indústria da moda com o surgimento do prêt-á-porter, cuja tradução é “pronto para vestir”, e o mesmo havia de se tornar uma das maiores revoluções dentro do consumo de roupas até então. O “pronto para vestir” se expressou quando grandes cadeias de lojas americanas passaram a produzir peças em uma grande escala, tornando a moda pronta-entrega e acessível ao público popular.

A partir de 1990, o sistema da indústria da moda foi completamente renovado. Após a globalização e a abertura da internet para uso privado, o consumo e o conhecimento de moda foram democratizados, as semanas de moda cresceram e houve um impulso industrial enorme e uma demanda de consumo inacreditável. Foi quando fomos apresentados ao sistema de “Fast Fashion” ou em português, “moda rápida”.

“Quando criança, nunca pensei muito em outra coisa senão no preço das roupas que comprava, geralmente fazendo escolhas com base no estilo ou em um bom negócio. Olhando para trás, aprendi por muito tempo que a maioria de suas roupas era feita aqui na América até nos anos 60 produzíamos 95% de nossas roupas, hoje produzimos apenas 3% e os outros 97% são terceirizados em países em desenvolvimento ao redor do mundo.” [Citação retirada do documentário The True Cost, 2015.]

O documentário “The True Cost” é reconhecido como uma das maiores denúncias ao sistema produtivo dentro da indústria da moda atual. Existem dois lados da moeda nesse novo sistema, o consumidor que demanda preços mais baixos nos artigos de moda para consumir mais, e do outro lado, os trabalhadores explorados e as condições ambientais que são afetadas. O verdadeiro significado do valores atribuídos às roupas começou a ser questionado quando, em abril de 2013, os noticiários do Ocidente se depararam com a notícia de um desabamento nas proximidades da capital de Bangladesh, Dacca, onde um edifício de oito andares que abrigava confecções têxteis em péssimas condições de trabalho contou oficialmente em 1,129 mortes.

O peso na consciência

É possível traçar a emergente popularidade do movimento sustentável na indústria da moda a partir do que aconteceu em Bangladesh em 2013. O desastre foi um choque de realidade a respeito do impacto da indústria da moda, tanto em questões trabalhistas e humanitárias, como um impacto que a indústria provoca no meio ambiente. Hoje, a indústria da moda está entre os cinco sistemas mais poluentes do mundo. De acordo com uma pesquisa feita pelo site Valor e, do grupo Globo em Março de 2019, a moda é a segunda indústria mais poluente do mundo.

Os autores desta reportagem entrevistaram a professora de moda da Faculdade Armando Álvares Penteado, Monayna Pinheiro, considerada como uma das principais referências dentro do curso na área de moda sustentável. Ela explicou claramente as mudanças dentro do sistema industrial da moda após o desastre de Rana Plaza, que em 2019 completou seis anos.

“Principalmente com o discurso que o fashion revolution tem, estamos completando seis anos, também estamos falando de seis anos desde do acidente que aconteceu em Rana Plaza em Bangladesh, ele trouxe uma questão muito importante que é a transparência para a moda, que é algo que não conversávamos antes, então assim, todos nós estamos vestindo roupas e ainda as roupas são confeccionadas com caráter e capital humano, então teve alguma costureira que tirou seu tempo na mão de obra para a confecção desta roupa, e a gente não sabe quem são essas pessoas. Então acho que isso ficou muito importante para começarmos a tentar dissolver ou desmascarar esses atores que fazem parte dessa cadeia, e essa cadeia de moda é muito longa, temos desde do processo do plantio, extração de fibra, fiação e tecelagem, depois o design. Então assim, em todo momento da nossa cadeia temos pessoas envolvidas e essa ideia é de conseguirmos mostrar quem são esses personagens por trás dessa cadeia, o que é muito importante.”

Pode parecer simples a solução de muitos desses problemas, como somente parar de consumir produtos de grandes redes de fast-fashion, porém diante da crise ambiental e climática que vivemos hoje, é preciso de mais. É necessário repensar toda a maneira como consumimos e descartamos itens que não serão mais utilizados. A verdade que a grande maioria da sociedade negligencia é de que “jogar fora” nunca realmente existiu, nós vivemos num planeta de grande porte, e em algum lugar dele esse material será depositado.

Quando falamos dos cinco R’s: Repensar, Recusar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar.

O R da “recusa” é o mais significativo, pois é o que teria, de fato, o maior impacto ambiental. O fim do consumismo pouparia a extração de matérias primas para a produção de tecidos e tintas, e principalmente, diminuiria drasticamente o descarte de produtos no meio ambiente. O “repensar” é essencial para que haja uma melhora na questão ambiental dos dias atuais, é a ideia de refletir sobre a maneira como de consumir, e principalmente repensar o consumo em si, em quais marcas você está consumindo, quais são os valores da marca, como é o sistema produtivo dela, a mesma possui algum viés social?

O processo dessa reflexão e conscientização sobre a indústria da moda é uma das chaves para o possível sucesso do movimento, mas infelizmente, dentro da moda é preciso apelar para imagens sobre os cenários mais chocantes e de certa forma, sensacionalistas, que são os únicos que conseguem quebrar paradigmas e alcançar notoriedade, como o documentário The True Cost e o evento Fashion Revolution Experience, cujo aconteceu em São Paulo em 2016, e consistia em colocar um container com uma vitrine típica de redes de fast fashion na Avenida Paulista, e em seu interior vídeos no dia-a-dia dos trabalhadores na fábrica.

“Eu acho que essa temporada foi marcada por uma preocupação com a emissão de Carbono. E acho que a moda finalmente está, demorou, acordando para o fato de que também somos parte do problema, o problema não são só as marcas na moda de fast-fashion, as grandes casas também tem culpa no cartório, nós como mídia também temos culpa no cartório, nós como seres humanos temos culpa no cartório” [Declaração de Paula Merlo, diretora de conteúdo da Vogue Brasil para o podcast “VogueCast”]

A sustentabilidade na alta-costura: preocupação ambiental ou jogada comercial?

Seria 2019, finalmente, o ano que o mercado de luxo se voltaria para a sustentabilidade na moda? Setembro é conhecido como o mês mais importante do ano dentro da moda, pois é o mês em que ocorre o lançamento de novas coleções das grandes grifes de alta-costura, e também é quando ocorrem as quatro maiores semanas de moda mundiais — sendo estas: Nova Iorque, Londres, Milão e Paris. Dentro das semanas de moda primavera-verão 2020, em setembro de 2019, conseguimos ver claramente essa movimentação sustentável como uma competição entre os grandes conglomerados de luxo, uma competição para conseguirem entrar dentro dos consumidores-chave da próxima geração. No dia 23 de agosto deste ano, trinta e duas das maiores empresas na moda se reuniram paralelamente à cúpula do G7 para assinar o “Fashion Pact” ou o “Pacto Fashion”, em português. A iniciativa consiste em um conjunto de objetivos compartilhados a fim de diminuir impacto de tais empresas.

É importante descrever que o presidente francês Emmanuel Macron encarregou François-Henri Pinault, o CEO do Grupo Kering, uma maiores holdings francesa de artigos de luxo, em Maio desde ano, de estimular o setor do mercado de luxo a se comprometer com a diminuição de seu impacto ambiental. Esses grandes conglomerados de artigos de luxo, como o Grupo Kering, LVMH, Prada e Hermés, vivem em uma constante rivalidade comercial, e com a recente popularidade do movimento de sustentabilidade dentro da moda a abordagem não podia ser diferente. No momento que o Grupo Kering tornou-se o primeiro a se posicionar em acordo ao “Fashion Pact”, houve um efeito dominó e uma disputa de popularidade, trazendo os demais grupos para o movimento.

Em nossa entrevista com a professora Monayna Pinheiro ela explica claramente sobre o greenwashing dentro da moda e sua relação com o Pacto Fashion:

“Teve aquela história do pacto global, que a Kering e várias outras marcas assinaram, que se comprometem-se com a pegada de carbono, a emissão de CO2, porém é um pacto que não foi muito claro, sem prazo estipulado, algo bem subjetivo, a ideia seria conseguir observar o que essas marcas conseguem realmente fazer e não apenas usar isso no discurso. Temos vários washings na moda, o greenwashing, o trust washing, que é justamente quando a empresa faz esse discurso mas na verdade é só um storytelling bonito”

A Saint Laurent, uma das maiores marcas subsidiárias do Grupo Kering, fez um enorme desfile para a coleção primavera verão 2020 da moda masculina, na praia de Malibu, na Califórnia, apesar de um cenário incrível para fotografias, o mesmo teve consequências enormes para o ecossistema da praia. Os moradores de Malibu e as autoridades da cidade alegam que Saint Laurent violou uma variedade de regulamentos ambientais que protegem os frágeis recursos naturais do local. Esse episódio aconteceu em Julho de 2019, antes do Grupo assinar o Pacto Fashion, porém com apenas dois meses de diferença da reunião oficial entre o presidente francês e o CEO do grupo.

Qual o limite entre, uma história bem contada, e uma efetiva e clara programação para minimizar ao máximo o impacto ambiental? Cabe a nós, os consumidores e apreciadores das marcas a pressioná-las para que haja uma mudança. O papel do consumidor é fundamental, pois quando ele exige que a moda se torna eco-friendly, ele está cobrando também do ponto de vista financeiro. Podemos assim levantar o questionamento sobre a verdadeira posição do sistema econômico da moda dentro da sustentabilidade, suas preocupações com as propostas para diminuir o impacto ambiental é algo sincero e verdadeiro, ou não se passa apenas de uma estratégia de marketing?

As principais propostas do “Fashion Pact” retiradas do arquivo oficial do Pacto dentro do site da Prada Group:

https://www.pradagroup.com/en/news-media/news-section/fashion-pact.html

I. Compromissos globais: respondem às prioridades estabelecidas pela comunidade global por meio dos ODS e da ONU, limites planetários e todas as convenções da ONU. Eles incluem compromissos em três áreas principais apontadas pelo One Planet Lab, além de ações que não são obrigatórias, mas servem como exemplos de possíveis iniciativas para alcançar os compromissos:

A — Clima: mitigação e adaptação às mudanças climáticas

B — Biodiversidade: dobrando a curva sobre a perda de biodiversidade dentro de 10 anos

C — Oceanos: abordando a perda crítica da funcionalidade do oceano devido às mudanças climáticas

e poluição

II. Iniciativas conjuntas concretas: são áreas de trabalho específicas que requerem colaboração entre marcas / empresas e todas as partes interessadas da indústria da moda.

III. Aceleradores: são ações que cortam os compromissos e criam o ambiente propício para atingir as metas. Também podem ser áreas de colaboração dentro moda, bem como entre setores, e que demonstram liderança e inovação por parte da moda indústria.

Os membros desta reportagem participarão do evento “Brasil Eco Fashion Week”, no dia 16 de Novembro, e por mais que muitas das informações do texto foram inspirados pelas palestras contidas no evento, fizemos uma lista de marcas brasileiras sustentáveis que vale a pena conhecer:

  • Manui Brasil: @manuibrasil
  • Leandro Castro: @leandrocastrum
  • Atelier contextura: @ateliercontextura
  • NUZ: @nuzdemicouture
  • AHLMA.CC: @alhma.cc
  • We’e’ena Tikuna Arte Indígena: @weenatikunaarteindigena
  • Jouer Couture: @jouercouture
  • Helena Pontes: @helenapontes
  • ROUPATECA: @roupateca
  • USEVERSE: @useverse
  • Eneas Neto: @eneasnetooficial
  • Natural Cotton Color: @natural_cotton_color
  • FISALIS: @fisalis.co
  • Ronaldo Silvestre: @ronaldosilvestre.iti
  • RGLOOR: @rgloorlab
  • Satya Beachwear: @satyabeachwear
  • DEMODÊ: @demode_atelie
  • COMAS: @comas_sp

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