Comercialização de animais e maus tratos: são relacionados?

A ineficiência do Sistema Jurídico Brasileiro a fiscalização dentro da comercialização de animais acaba em uma má reputação dos estabelecimentos.

Bruna Furlan
8 min readMay 14, 2020

Por Bruna Furlan e Izabella Ricciardi

Animais foram resgatados de canil em Piedade — Foto: Reprodução/TV TEM

É notável que um assunto muito discutido nos últimos meses, tanto nas mídias sociais como no Congresso, é a criação e comercialização de animais: Devem ser legalizada, banida, ou pelo menos regularizadas? Sabemos da existência de canis que tratam de animais e cuidam muito bem deles, assim como existem lugares que maltratam e os deixam em situações deploráveis. O intuito desta reportagem é mostrar essas duas situações, de tal forma a deixar claro para você que existem canis bons para comprar ou adotar um pet. Também há aqueles que trabalham de forma clandestina.

Esta reportagem conversou com especialistas que cuidam de animais, que explicaram a ineficiência do Sistema Jurídico Brasileiro para realizar uma fiscalização que diga, de fato, se um canil deve ser regularizado, ou não, e que puna devidamente aqueles que pratiquem maus tratos com animais. Esses profissionais questionam se há necessidade de extinguir todos os canis que realizam comercialização de animais — mesmo aqueles que cuidam dos pets de maneira apropriada — e comentaram a postura ética de alguém optar por comprar um animal de raça aperfeiçoado ou possuir um animal doado.

A alegação de que animal não deve ser considerado um objeto de comercialização é senso comum, mas isso não implica, necessariamente, que as pessoas não têm o direito de pagar para ter um animal de estimação. A adoção de animais abandonados, como ocorre com cães e gatos, deve ser incentivada como um ato de humanidade, mas é compreensível a ideia de que uma pessoa prefira ter um cão de raça e busque um estabelecimento especializado na criação de animais com pedigree, para comprá-lo e mantê-lo de maneira apropriada. O dono de um estabelecimento que cria animais de raça para comercializá-los tem o direito de receber por esse trabalho. A proibição da comercialização de animais de raça traz o risco da proliferação do comércio clandestino, cuja fiscalização é muito difícil e o tratamento dos animais fica gravemente comprometido.

Como esse assunto envolve questões legais, esta reportagem entrevistou cinófila e advogada (que cria cães e estuda sua criação) Maria Carmem, que afirmou que a discussão é complexa “Essa discussão dos maus-tratos acabou, já foi superada, eles [deputados e alguns cinéfilos] passaram para um segundo patamar, agora eles dizem que criar [animais de raça] é crime, não interessa se é regulamentado ou não, porque não existe na lei, inclusive, regulamentação específica para criação de cães de raça.”, afirmou.

Carmem conta que o Congresso discute no momento a punição efetiva para quem pratica maus-tratos e, sim, a criminalização da criação e comercialização dos animais, por mais que ocorram de maneira regularizada. Carmem explica que a situação preocupa os cinófilos. “Os cinéfilos mais radicais querem transformar a atividade de criação e venda de animais em ilegalidade”. Já estamos perdendo muito tempo. Essa lei transmita desde 2013 na Câmara dos Deputados, foi para o Senado, foi pré-aprovada com emenda e agora voltou para a Câmara dos Deputados e recebe apoio maciço da bancada da esquerda. Na essência é isso, a criação de cães de raça vai virar coisa ilegal, isso precisa ser divulgado, pois as nossas postagens [nas redes sociais] não estão repercutindo.”, disse a cinófila.

[escrevam aqui toda a explicação de qual é a lei, o que ela diz e o que foi para a Câmara e o Senado e quais foram as emendas. Ouçam dois políticos de dois partidos diferentes e um bom criador de animais neste parágrafo e no próximo. Se já tiverem ouvido desloquem as declarações para cá]

Criminalização do comércio de animais: solução ou um novo problema?

Maria Carmem em outros cinófilos e criadores renomados de animais estão contra algumas partes da Lei Animal Não É Coisa divulgam a polêmica em torno dela e procuram reunir defensores de animais que acreditem que não tem problema criar animais de raças e comercializá-los.

Há protetores de animais que desejam que a lei proíba a existência de canis de venda e que permita apenas a doação para, assim, acabar com animais de rua e promover a adoção de todos os bichos abandonados.

Os criadores acreditam não haver nexo nesse pensamento, pois os animais de rua também procriam. Eles defendem a ideia de que as pessoas devem ter o direito de escolher se querem ajudar, doar, adotar ou comprar um pet, além de frisarem que a criação de animais é uma profissão e que não é correto proibi-la. O adequado segundo eles é trabalhar para a eficácia do acompanhamento dos canis a partir da regulamentação de seu funcionamento e, desse modo, a existência dos canis clandestinos.

Quando questionado sobre canis clandestinos, Ronaldo Eloy, proprietário do canil Ronald’s Kennel, disse que sabe que “há canis que maltratam os animais. Isso provoca uma dor muito grande para quem ama o que faz e respeita os animais”. Eloy afirma que se sente afetado com determinadas notícias que denunciam a crueldade com os animais.

A generalização que a sociedade faz em torno de tantas notícias ruins sobre a existência de canis que praticam atos cruéis acaba afetando, também, o trabalho de Eloy, que lida com a criação e o aperfeiçoamento das raças. Eloy explicou que, pelo fato de o cão ser um animal domesticado há muitos séculos e sua reprodução ocorrer facilmente, muitas pessoas de má fé se aproveitam do animal apenas para obter lucros financeiros.

Para ser considerado um bom criador, Eloy conta que o dono do animal precisa ter grande conhecimento sobre raças, estudar sua genética e procurar a excelência de seus cachorros, cuidando também do seu bem-estar. “É o que faz o criador ser respeitado”, diz.

Na Constituição Brasileira

A ineficiência da lei 9605/95 art. 32, que diz que praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos é crime, com a pena de detenção de três meses a um ano e multa. Essa lei facilita a existência de criadores irresponsáveis e sua ambiguidade facilita a prática de crueldades contra os animais.

O policial civil e protetor de animais da ONG Eu Luto Pelos Animais, Felipe Becari, conta que grande parte das denúncias sobre maus tratos feitas para o seu projeto, hoje em dia, são feitas por plataformas digitais, como o Instagram, Facebook, Whatsapp e via e-mail. Felipe disse que as plataformas são as maiores aliadas de sua ONG. De acordo com Becari, não existem requisitos para ir até o local de resgate de um animal e que a decisão sobre em qual caso ele deve atuar, dá-se de acordo com a situação em que o animal se encontra, pelo risco que ele sofre e pelos maus-tratos que ele sofreu. Nesse momento até a logística para a organização do resgate conta, assim como ter recursos suficientes. Felipe destaca que há muitas denúncias e infelizmente não é possível ajudar todos os animais. Por não existir um fundo público auxiliando o projeto de Felipe, todos os animais que o policial salva vão para clínicas particulares. Os responsáveis e voluntários que se dispõem a ajudar no resgate acabam tirando da própria renda para manter o projeto funcionando.

Para ser um protetor de animais são necessários não ter preguiça e possuir altruísmo. “Nenhum resgate é fácil de ser realizado”, diz Felipe, e completa: “É importante não negligenciar nenhum animal necessitado em seu caminho, mesmo que você não seja capaz de salvar todos.”

Como policial civil, Becari reconhece que os órgãos policiais não estão aptos para atender a demanda de pedidos e que não existe um treinamento adequado para os protetores de animais lidar com resgates. O estado não possui recursos e funcionários suficientes para realizar um trabalho consideravelmente bem.

A DEPA (Diretoria de Educação Preparatória e Assistencial), órgão de denúncias online contra animais, afirma que recebe inúmeros de pedidos de ajuda, deixando o órgão sobrecarregado e impossibilitado de ajudar por não ter policiais suficientes para realizar o trabalho. Consequentemente, a maioria dos casos de resgate acabam se direcionando para os protetores independentes e os policiais [voluntários] que também fazem a proteção animal.

Todavia, o policial Becari aconselha a quem presenciar tais crimes que denunciem criando um boletim de ocorrência, permitindo, assim, que o Estado verifique o local denunciado e averigue a situação. A apuração ocorre juntamente com atendimento veterinário, cujos especialistas são os únicos com propriedade para confirmar se houve maus-tratos.

Não há na Constituição Brasileira uma lei que puna da forma devida aqueles que cometem maus-tratos aos animais. De acordo com o policial civil Felipe Becari, o artigo 32 da lei 9605, que deveria tratar esse assunto com clareza, não é eficiente: “A pessoa que pratica maus-tratos contra os animais não ficam [ou são] presas, independentemente do que façam contra o animal. Elas apenas comparecem à delegacia e, na maioria das vezes, assinam um termo e são liberadas.

Por isso, é mais fácil realizar os resgates pelo diálogo e conscientização das pessoas. As pessoas devem aprender pela orientação e não pela punição. Nossa sociedade ainda não é evoluída na questão cultural de conscientização das pessoas”, afirma o policial.

Quando perguntado a respeito de canis que vendem pets, Becari diz que em seu mundo ideal não existiria a comercialização de animais. Conta-nos, ainda, que existem pessoas muito radicais, que generalizam e consideram que todos os canis são ruins, afirmando serem exploradores e cruéis. Tal afirmação é impulsiva segundo Felipe, já que existem os canis que trabalham de forma digna. “Se alguém faz a afirmação de que os canis deveriam ser extintos, por serem contra o comércio, então essa pessoa também deveria ser a favor de uma fiscalização maior em todos os abrigos de animais, pois muitas vezes cresce muito rápido o número de pets resgatados e o abrigo acaba perdendo o controle dos resgates, podendo correr o risco de adquirir doenças e até mesmo tornar o espaço desconfortável para os animais que já estão acolhidos.

Becari também expressou sua opinião a respeito dos canis brasileiros, afirmando: “No Brasil temos muitos canis regularizados e que fazem tudo correto. Então não seria justo generalizar, mesmo eu não sendo a favor de venda de animais, pois é uma prática legalizada. Eu, Felipe, tenho coerência em deixar a paixão de lado e pensar com a razão, ou vice-versa.”.

Existem até mesmo Fake News de pedidos de resgate, o que dificulta a veracidade dos fatos. Muitas pessoas compartilham pedidos de ajuda de casos antigos sem verificar antes, terceirizando a responsabilidade sem ter o mínimo de cuidado. Quando encontram um animal que precisa de ajuda, muitas pessoas, em vez de ajudar diretamente, levam a questão para um protetor, que na maioria das vezes já está sobrecarregado de casos para resolver. É preciso entender que eles já estão arcam com com as suas obrigações financeiras e não carregam a responsabilidade de salvar a todos e que qualquer pessoa pode ajudar, cuidando daquele animal até estar apto para adoção responsável.

Tentamos contato com a Polícia Civil Ambiental sobre o resgate de animais em canis clandestinos, porém não quis dar declarações oficiais.

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